A cooperação e a solidariedade são essenciais para criar uma frente unida a favor da vida como um todo, uma comunidade capaz de superar as forças que se empenham em continuar a destruição ambiental.
Em 9 de julho de 1955, em uma conferência de imprensa realizada em Londres, foi apresentado ao mundo o chamado Manifesto Russel-Einstein, redigido por Russel e subscrito por Einstein e outros nove cientistas e intelectuais de renome. O Manifesto teve como objetivo alertar o mundo sobre as terríveis consequências de uma guerra nuclear e propor a resolução pacífica dos conflitos internacionais para evitar a “morte universal”.
Com base nos princípios e conceitos de vários pensadores atuais e com adoção de vários dos termos e frases (em itálico no texto a seguir) do documento de 1955, os signatários desse Manifesto, apelam a todos os seus irmãos, habitantes da nossa Casa Comum, para se conscientizarem das terríveis consequências – que podem chegar ao ponto de uma “morte universal” – das alterações ambientais, entre elas as mudanças climáticas, que estamos provocando em todo o Planeta.
E, caso concordem com os termos desse Manifesto, também o subscrevam como sinal de sua decisão de adotar um novo modo de vida que reduza drasticamente os impactos ambientais e proporcione, ao mesmo tempo, a prosperidade e a felicidade verdadeiras.
O desequilíbrio crescente que ações humanas têm causado em Gaia, sistema unificado de entidades e de relações complexas de estreita interdependência que inclui os seres vivos – humanos ou não – e o mundo em que vivem, tem resultado em danos que colocam em grave perigo a sobrevivência da própria humanidade. Para que a vida, como a conhecemos, possa continuar, precisamos urgentemente de um novo modo de pensar e de uma nova maneira de viver.
De fato, na trágica situação que a humanidade enfrenta, de rápida e crescente degradação do clima e dos ecossistemas, sentimos que todos nós devemos repensar nossa vida e avaliar seriamente os perigos que surgiram como resultado de um desenvolvimento baseado no consumismo desenfreado de uma parcela da população em detrimento de grande parte dos habitantes, da fauna e da flora da Terra, um desenvolvimento que se baseia na ilusão de que é possível um crescimento infinito em um Planeta finito, no mito de que a prosperidade só é possível com crescimento e na presunção de que podemos abusar da natureza impunemente.
Falamos nesta ocasião, não como membros desta ou daquela parte da sociedade, cidade, país ou credo, mas como seres humanos, membros da espécie Homo Sapiens, cuja existência nas próximas décadas e séculos é duvidosa.
Além da degeneração ambiental, o mundo está cheio de conflitos entre pessoas, grupos sociais, ideologias e crenças, países, blocos estratégicos globais, setores produtivos, empresas transnacionais e multinacionais e membros das instituições dos governos. E os conflitos se agravarão, com toda certeza, devido às disputas, por recursos e por espaços estratégicos, resultantes dos problemas ambientais que têm se acentuado a cada dia.
A intensificação das rivalidades poderá resultar em guerras e na hecatombe nuclear há tanto temida e jamais afastada por uma renúncia global às armas nucleares e por uma decisão, por parte de todos os governos do mundo, de encontrar meios pacíficos para a resolução de todas as questões de disputas entre eles.
Recebemos de nossos ancestrais um Planeta habitável, belo, relativamente estável, equilibrado, com uma imensa quantidade de recursos que nos permitiram chegar ao ponto em que estamos.
No entanto, a falta de visão, a ganância e o egoísmo daqueles que assumiram postos de autoridade e dos que se apropriaram da maior parte dos bens econômicos já nos colocaram a todos em situação de grave risco, com sensível ameaça à sobrevivência de muitos no presente e das gerações futuras. Não há como negar que imensa parcela da população mundial permanece às margens dos propalados benefícios que a tecnologia, a ciência e as políticas do denominado desenvolvimento econômico trouxeram a uma minoria, cada vez mais egoísta e concentradora das riquezas, de rendas e benesses da civilização contemporânea. Basta verificar os dados referentes à fome, à miséria e à pobreza de vastas populações, à falta de saneamento básico e de água potável, à situação dos campos de refugiados e às migrações massivas dos que procuram fugir das condições inumanas da vida sob tiranias locais ou guerras.
Em uma situação em que a racionalidade prescreve indubitavelmente a cooperação, a sobriedade, a união, a solidariedade, a compaixão e a ação não-violenta, a humanidade tem preferido a via historicamente trilhada do ataque aos grupos e países que cada parcela elege como seu inimigo, o culpado pelas mazelas de que padece.
A população em geral, e mesmo a maior parte das pessoas em posições de autoridade, não perceberam ainda, com a necessária profundidade e clareza, o que está envolvido na situação ambiental do Planeta. O público em geral tem sido levado, de forma incipiente ainda, a pensar apenas em termos de mudanças climáticas, cujos efeitos na temperatura, nas chuvas e nas secas são mais fáceis de serem percebidos.
No entanto, pelo menos em cinco aspectos, já ultrapassamos, em 2023, os limites das condições seguras para a continuação da vida na Terra: integridade da biosfera, novas entidades, mudanças no uso da terra e da água doce e fluxos biogeoquímicos. E três outros limites, ao que tudo indica, em breve também serão ultrapassados: acidificação dos oceanos, carga de aerossol atmosférico e destruição da camada de ozônio[1].
Mudanças climáticas – concentração de CO2 e outros gases de efeito estufa, balanço energético entre a Terra e o espaço.
Novas entidades – Poluição causada por novos compostos químicos tais como plásticos, tintas, pesticidas, cosméticos etc.
Destruição do ozônio estratosférico – Buracos na camada de ozônio provocados pelo cloro contido nos gases que contém cloro e flúor (CFC’s)
Carga atmosférica de aerossóis – Poluentes atmosféricos tais como poeira e fumaça.
Acidificação dos oceanos – Concentração de íons carbonato no oceano.
Fluxos biogeoquímicos – Poluição das águas pelo nitrogênio e fósforo dos fertilizantes agrícolas – Eutrofização
Mudanças na disponibilidade de água doce – Quantidade de água disponível para humanos e plantas. Verde: água contida nas plantas, no solo e nas nuvens. Azul: água dos rios, lagos, geleiras e aquíferos.
Mudanças no uso da terra – Tamanho da área de florestas e outros biomas.
Integridade da biosfera – Perda da biodiversidade e velocidade da extinção das espécies.

Muitas advertências têm sido proferidas nas últimas décadas por eminentes homens da ciência e por autoridades em política, economia e sociologia. Nenhum deles dirá que as piores e mais degradadas condições ambientais e climáticas são certas. O que dizem é que estas condições estão, a cada dia, mais próximas e que ninguém pode ter a certeza de que não serão atingidas nos próximos anos e décadas caso os preceitos e rumos da economia e a tecnologia atuais não sejam imediata e drasticamente alterados. Ainda não descobrimos que as opiniões dos especialistas sobre estas questões dependam, em qualquer grau, das suas tendências políticas ou preconceitos. Dependem apenas, até onde as nossas pesquisas revelaram, da extensão do conhecimento e da honestidade intelectual do especialista específico.
Mas o que talvez impeça a compreensão da situação, mais do que qualquer outra coisa, é que o termo “humanidade” parece vago e abstrato. As pessoas mal percebem na imaginação que o perigo é para elas mesmas, para os seus filhos e para os seus netos, e não apenas para uma humanidade vagamente apreendida. Dificilmente conseguem compreender que elas, individualmente, e aqueles a quem amam, estão em perigo iminente de perecer de forma agonizante. E assim esperam que os rumos atuais possam continuar, desde que alguns ajustes menores sejam feitos, desde que novas tecnologias sejam desenvolvidas. Mas a maior parte da tecnologia que criamos desde a Revolução Industrial tem solucionado problemas somente à custa da criação de novos e mais difíceis problemas, em uma espiral crescente. Ela tem se mostrado, assim como a economia, uma tecnologia que mata.
Esta esperança de que ajustes pontuais e tecnologias avançadas impedirão a degeneração grave do ambiente e do clima é ilusória. A maior parte dos limites já foi ultrapassada e o retorno às condições prévias irá demorar centenas, provavelmente milhares de anos, e isso se as alterações necessárias forem feitas extensa e rapidamente.
Aqui está, então, o problema que apresentamos, severo, terrível e inevitável: devemos pôr fim à espécie humana; ou a humanidade renunciará ao modelo econômico e tecnológico atual? As pessoas que estão em vantagem hoje dificilmente aceitarão mudanças de rumo, pois preferem manter seus privilégios, que consideram como direitos adquiridos, mesmo ante as perspectivas inegáveis de aniquilamento geral.
Quase todas as pessoas politicamente conscientes têm fortes sentimentos sobre uma ou mais dessas questões; mas queremos que todos, se puderem, deixem de lado esses sentimentos e se considerem apenas como membros de uma espécie biológica que teve uma história notável e cujo desaparecimento nenhum de nós pode desejar. Tentaremos não dizer uma única palavra que deva agradar a um grupo e não a outro. Todos, igualmente, estamos em perigo e, se o perigo for compreendido, há esperança de que possamos coletivamente evitá-lo.
Temos que aprender a pensar de uma nova maneira. Temos de aprender a perguntar-nos não que medidas podem ser tomadas para permitir, ainda que com ajustes, a continuação do modelo econômico e tecnológico e da organização social que nos trouxe à situação em que estamos, pois já não existem tais medidas; a questão que temos de nos colocar é: que medidas podem ser tomadas para definir um novo modelo que permita à humanidade viver em harmonia consigo mesma e com todos os seres viventes do Planeta? Que medidas podem ser tomadas para mitigar as consequências dos danos ambientais que já causamos e evitar a sua ampliação em curto, médio e longo prazo, já que a manutenção do curso em que estamos já se mostra desastrosa para toda a humanidade?
A alteração profunda do modelo econômico e tecnológico exigirá – principalmente dos que mais têm – grandes sacrifícios e renúncias, muita força, persistência e resignação. Exigirá negociações e acordos inusitados e considerados quase impossíveis entre as nações.
Para termos noção da enormidade da nossa insensatez e da nossa irresponsabilidade, basta-nos imaginar o que sentiríamos se nossos antepassados tivessem deixado o mundo para nós nas condições em que estamos entregando-o aos jovens de hoje e às futuras gerações. Não podemos continuar dilapidando a herança que recebemos e negando aos nossos descendentes o direito legítimo que eles têm de habitar a Terra como até há pouco ela era. Embora eles não possam punir muitos de nós, os que já tiverem morrido, com toda certeza nos condenarão e com mais rigor e razão ainda se não nos empenharmos decididamente, daqui para frente, em reparar o mal que já cometemos.
Por esse motivo, cabe-nos a obrigação de reduzir ao máximo – e onde possível eliminar – a emissão de elementos nocivos, tais como gases de efeito estufa, produtos químicos e novas entidades e recuperar com urgência e da forma mais abrangente possível todas as áreas da Terra que a ação humana já degradou.
É-nos obrigatório também manter íntegras, sem exceções, as áreas que porventura ainda conservem boas condições naturais, impedindo qualquer ação antrópica nelas, tais como de urbanização, agropecuária, mineração, pesca, extração de madeira e outras. A recuperação das áreas degradadas e a manutenção das condições das áreas ainda conservadas será, sabemos, cada vez mais difícil em uma realidade e com eventos extremos de seca e de chuvas, com incêndios florestais, ventos fortes e tempestades de poeira.
Está diante de nós, se quisermos, a possibilidade de um mundo futuro em que todos os seres humanos poderão viver em cooperação, em felicidade, com conhecimento e sabedoria, em harmonia com os animais e vegetais que sobreviverem às condições terríveis a que já os submetemos e condições que serão ainda bem piores. Devemos, em vez disso, escolher a morte, por que não podemos esquecer as nossas brigas, nosso egoísmo, nosso conforto pessoal?
Não podemos esperar que outros – principalmente governantes, políticos e empresários – assumam a dianteira do processo de transformação, pois, em geral, são eles os encarregados de manter o curso da destruição para garantir os privilégios dos que ganham com ela. Há muito eles já deveriam ter iniciado ações ambiciosas e decisivas para acabar com a nossa dependência dos combustíveis fósseis, parar a destruição dos sistemas de suporte à vida na Terra e promover a justiça ambiental e climática para todos. Não o fizeram ou o fizeram de forma extremamente tímida.
Por isso, faz-se necessário responsabilizar, com base nos conceitos de precaução e prevenção, os governantes, legisladores e empresários pelas violações dos direitos humanos e ambientais decorrentes de sua omissão ou ação imprópria. Isso pode demandar um novo arcabouço jurídico que, por sua vez, dependerá dos legisladores, cuja competência, compromisso e honestidade têm se mostrado questionáveis.
A ciência não poderia ser mais clara. O custo da inação será medido em cidades destruídas, vidas perdidas, economias em colapso e espécies extintas, mas ainda há muito que pode e deve ser feito para evitar o pior.
A maior tarefa que temos no presente, talvez a maior de toda a história, é a de tomarmos profunda consciência de que somos, cada um de nós, em maior ou menor grau, um átomo da imensa bomba que está a explodir a Terra dia e noite, há mais de um século, com poder destrutivo que cresce exponencialmente com o tempo.
E uma vez conscientes, precisamos tomar a difícil decisão pessoal – mais difícil ainda de ser mantida – de assumirmos a dianteira das mudanças no lugar onde vivemos, convertendo-nos a um novo modo de vida que cause o menor impacto possível à natureza da qual todos dependemos.
Somente uma transformação interior sincera de cada um de nós poderá fazer com que outros, seguindo nosso exemplo, se transformem também e, assim, todos se unam para envolver firmemente no novo modo de vida a parcela da humanidade que tem se recusado a alterar a forma nociva de viver.
Apelamos como seres humanos aos seres humanos: lembremo-nos da nossa humanidade e esqueçamos o resto. Se pudermos fazer isso, o caminho estará aberto para um novo Paraíso; se não pudermos, estará diante de nós o risco da morte universal.
Por isso nós, os signatários desse Manifesto, tendo procurado nos informar da melhor maneira possível e ponderado longamente a respeito da situação atual, convidamos todas as pessoas de boa vontade, de toda a Terra, a refletirem profundamente sobre os temas, conceitos e princípios aqui expostos e depois, se concordarem com os termos desse Manifesto, a inserirem nele sua assinatura, como sinal de compromisso – com ênfase especial por parte das pessoas que mais possuem e que são responsáveis pela maior parcela do consumo – com um processo de conversão contínua no sentido de:
Como a recuperação das condições do Planeta será a soma de cada ação e da recuperação de cada uma das áreas degradadas (“pensar globalmente, agir localmente”), sugerimos às pessoas, que aderirem a esse Manifesto que, com apoio de grupos, entidades ou comunidades que consigam envolver, estudem as condições do local ou da região em que habitam ou a que têm mais acesso, determinem as atividades mais necessárias para evitar a continuação dos danos ao ambiente, bem como as ações de recuperação ou de conservação mais adequadas a esse local ou região, e redijam propostas claras que possam receber a adesão de outros, constituindo-se, assim, cada uma dessas propostas, um termo de compromisso dos envolvidos.
Esses programas de ação poderão ser resumidos de forma clara e – se assim desejarem os seus signatários – vinculados como Adendos ao presente Manifesto. Dessa maneira, aos poucos um grande programa de recuperação e conservação poderá ser construído, engajando pessoas, grupos, comunidades, movimentos e organizações de todos os lugares e nacionalidades, constituindo uma rede de ações benéficas e eficazes, abrangendo todo o Planeta. Os Adendos poderão constituir-se ainda, pela proximidade ou coincidência de propósitos e métodos, pontes entre os diversos grupos, para que possam, utilizando os meios modernos de comunicação direta, trocarem experiências e coordenarem atividades.
Aqueles que assumirem o compromisso pessoal de mudança efetiva de modo de pensar e de viver, com vistas a implementar soluções realmente sustentáveis nesse novo tempo que chegou para todos, precisam, portanto, se unir em grupos locais, regionais, nacionais e internacionais, para que possam se fortalecer, se apoiar mutuamente e participar de um processo contínuo de reeducação e de conversão.
A força dessa união de pensamentos e ações envolverá e transformará toda a sociedade, criando um modelo social, político, econômico e tecnológico que respeite integralmente os limites do Planeta, a interdependência entre humanos e não-humanos e reconheça os direitos da natureza e de todos os seus entes, vivos ou não. Esse modelo deve priorizar o atendimento das necessidades de cada população com o uso racional dos recursos do seu território e impedir as práticas predatórias do sistema atual.
A cooperação e a solidariedade são essenciais para criar uma frente unida a favor da vida como um todo, uma comunidade capaz de superar as forças que se empenham em continuar a destruição ambiental.
Belo Horizonte, 9 de julho de 2024
Maria da Glória Cardoso de Campos, Belo Horizonte, Brasil
Simone de Pádua Thomaz, Belo Horizonte, Brasil
Júlio Cesar Dutra Grillo, Belo Horizonte, Brasil
Letícia Camarano Minas, Serra do Cipó, Brasil
Gerhard F. W. Maske, Constance, Germany
Renato Mattarelli Carli, Sabará, Brasil
Sandoval de Souza Pinto Filho, Congonhas, Brasil
Euler de Carvalho Cruz, Belo Horizonte, Brasil
Frei Basílio de Resende, Montes Claros, Brasil
Claire Castaings, Nanterre, França
Yvon Castaings, Nanterre, França
[1] https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html